A história de hoje nos leva a uma floresta montanhosa no coração da Europa, numa pequena região que hoje divide a Boêmia (norte da República Tcheca) e a Saxônia (leste da Alemanha). Ali, em 1516, em meio às matas virgens, foram descobertas enormes quantidades de prata (a mais pura do planeta, até então). Assim que as minas de prata começaram a tomar o local, um nobre empresário local, o Conde Hieronymus Schlick, batizou a região como Joachimsthal (“Vale de Joaquim”) em homenagem ao avô de Jesus e o santo padroeiro dos mineiros.
Naquela época, a Europa era um continente de cidades-estado, muito diferente da que conhecemos hoje, com governantes locais disputando o poder (vimos algo parecido no post “De onde vem o Brinde?”). Sem uma unidade monetária padrão entre eles, uma das maneiras mais eficazes de um governante afirmar seu domínio era cunhar a própria moeda. E foi o que nosso Schlick “olhos de águia” fez. Ao receber permissão da autoridade boêmia em 09 de janeiro de 1520, o Conde iniciou sua produção, estampando na frente a imagem de São Joaquim e, no verso, o leão da Boêmia, conforme abaixo.

Num tempo em que o único determinante do valor da moeda era seu conteúdo metálico (hábito vindo desde o Séc.VII a.C. na Turquia, onde nasceu a primeira moeda no sentido econômico), Schlick teve três sacadas de mestre: 1) nomeou sua moeda de “Joachimsthaler” (ou, moeda vinda do Vale de Joaquim, atestando sua procedência e a qualidade da melhor prata do Mundo; 2) produziu suas moedas no mesmo tamanho (40mm de diâmetro) e peso (29,2g de prata com .937 de pureza) da moeda dominante na Europa à época (o Guldengroschen, Tirol/Áustria, 1486), facilitando sua aceitação por Reinos vizinhos e respondendo a uma demanda de unificação monetária (ou seja, a ideia do Euro vem de longa data) e 3) cunhou o maior número de moedas que o Mundo já havia visto até então.
Resultado: em apenas 10 anos, Joachimsthal passou de um povoado de 1.050 pessoas à segunda maior cidade da Boêmia, com população de 18.000 pessoas, perdendo apenas para Praga.
Tomando a Europa
Em meados do Séc. XVI, as cerca de 12 milhões de moedas cunhadas na “Casa da Moeda” de Joachimsthal por Schlick espalharam-se por toda a Europa, muito mais que qualquer outra do continente.
E, como quase tudo na História, a moeda também ganhou vida própria. A começar pelo nome. Vamos combinar que “Joachimsthaler” faz todo sentido, mas não é o nome mais fácil do Mundo pra se falar. Pra escrever, então…
Rapidamente, ela ganhou o “apelido” de Thaler. E seu formato passou a ser referência para muitos outros países remodelarem suas próprias moedas, sempre no intuito de equalizar e facilitar o intercâmbio comercial entre povos. Tamanho e peso viraram padrão, e o nome ganhou o sotaque local em muitas línguas.
Nos países nórdicos, virou “daler“. Na Islândia, “dalur“. Na Itália, “tallero“, “talar” na Polônia, “tàliro” na Grécia, “tallér” na Hungria. Em pouco tempo, havia cerca de 1.500 imitações circulando no Sacro Império Romano, segundo Jason Goodwin em seu livro Greenback: The Almighty Dollar and the Invention of America (Greenback: O Todo-Poderoso Dólar e a Invenção da América, em tradução livre). Chegou até a países distantes como Etiópia, Quênia, Moçambique, Tanzânia, Índia, Península Arábica e Samoa.
Na Inglaterra, era “dólar” (inclusive citado com este nome em peças de William Shakespeare), mas nunca batizou a moeda britânica, chamada de Libra desde o ano 775, quando a medida de peso (equivalente a 0,4536 Kg) passou a designar também a unidade monetária inglesa (teremos outros posts sobre o porque de libras, onças, galões, jardas, polegadas, pés e outras medidas – estranhas para nós – e que a Inglaterra insistiu em preservar).
Mas, e os EUA com isso?
Como já falamos aqui em posts anteriores, ao estudarmos a origem de algo, é praticamente impossível não encontrarmos ao menos duas versões para cada fato. E com o dólar ia ser diferente? Adivinha!
Uma primeira versão cita o leeuwendaler holandês (“dólar do leão” por causa de sua estampa no verso, ou “daler“, abreviado — pronunciado quase de forma idêntica ao “dólar” inglês) como tendo dado o nome à moeda americana. Depois de chegar a Nova Amsterdã (hoje popularmente conhecida como Nova York) no Séc. XVII com colonos holandeses, o daler se espalhou rapidamente pelas Treze Colônias, e colonos de língua inglesa começaram a chamar desta forma todas as moedas de prata com o mesmo peso. Com a independência do país em 1776, e o repúdio a qualquer citação que remetesse à Inglaterra (repúdio este que gerou várias outras curiosidades, como falaremos em posts futuros), o dólar tornou-se a moeda oficial dos EUA em 1792.
Outra versão conta que, apesar de os Estados Unidos terem sido colonizados pela Inglaterra, foi a Espanha que teve influência decisiva na nomeação da moeda americana. O peso espanhol, comumente usado em transações além-mar na época da América colônia, era popularmente conhecido como “dollar espanhol”. Ao lançar oficialmente sua moeda própria, os Estados Unidos, já independentes, apenas lhe tiraram o sobrenome.
O curioso é que o Thaler original saiu de circulação em 1873. Já o dollar, com o avanço econômico dos EUA, fez escola e hoje é moeda oficial de 23 países, tão diversos quanto Canadá, Austrália, Namíbia, Cingapura, Fiji, Malásia e Hong Konk. E representa hoje 62% do lastro econômico mundial. Mais que Euro, Libra, Renminbi (China) e todas as outras moedas do Mundo somadas.
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