Em Halloween – Verdades e Mitos – Parte 1, contei sobre a origem Celta da tradição, o porque dos símbolos (morcegos, lanternas, máscaras, esqueletos e muito laranja e preto) e como ganhou este nome.

Hoje, eu conto como uma festa de celebração, agradecimentos e alegria ganhou um ar de assustador, ainda que continuando divertida.
A Festa hoje.
A Idade Média, período entre os Séculos V e XV, ganhou o título de “Idade das Trevas” não à toa.
Um pouco de contexto: ela iniciou-se com o fim do Império Romano, a rápida ascensão do Islã (com sua Guerra Santa por territórios, a Jihad) e a cisão com o Império Bizantino (originando a Igreja Católica Ortodoxa).
Temendo perder seu market share, a Igreja, sob comando do Papa Gregório IX (como tem Papa Gregório, né?), cria a Santa Inquisição em 1231, caçando, julgando e condenando quem questionasse os dogmas da Igreja ou apenas praticasse outra religião. Ambos os casos eram considerados heresias, passíveis de prisão, tortura ou morte, dependendo da gravidade da infração ou da resistência em converter-se.

Neste período, o principal “inimigo” era o muçulmano. Claro, as Cruzadas, nascidas em 1095, estavam em seu apogeu nesta época. Foi também aqui que originaram-se muitas superstições, como a da Sexta-feira, 13 (conto em posts futuros. Inscreva-se no Blog pra receber notificação!).
Não bastando a primeira, uma segunda Inquisição ressurgiu na Europa entre os Séculos XVI e XVIII. Mais violenta que a primeira, ela concentrou-se em Portugal e Espanha, mas atingiu também França e arredores (lembra de Joanna D’Arc?).

Mais do que market share, desta vez a motivação era econômica. Novos grupos da burguesia urbana destacavam-se financeiramente, atrapalhando os interesses da nobreza e do Alto Clero. Sendo assim, acusá-los de heresia permitia à Igreja a tomar-lhes os bens, o que a enriquecia consideravelmente.
A igreja aumentava cada vez mais seu rigor, condenando qualquer ato que considerasse “contra os bons costumes e a fé”, seja lá o que isso fosse. Por exemplo, quem não comesse carne de porco era suspeito de judaísmo.
Aliás, os judeus – exímios e bem-sucedidos comerciantes – foram o maior foco desta Inquisição, originando os “Cristãos Novos”, judeus convertidos que adotaram sobrenomes como Silva, Siqueira, Pereira, Carvalho e outras árvores, mas que continuavam a exercer sua crença natal clandestinamente.
A Alheira, linguiça portuguesa de frango, igual à de porco, nasceu neste período. Os judeus podiam comê-la sem ofender sua religião e as expunham em suas cozinhas, enganando os inquisidores.

A lista de hereges foi ampliada para abranger homossexuais, bígamos, iluministas e protestantes.
E, vejam só, a segunda Inquisição criou uma terceira em paralelo, concentrada nas Ilhas Britânicas: A Inquisição Protestante, também com motivação de market share.
O protestantismo foi um movimento da Reforma Cristã liderada por Martinho Lutero no século XVI. Ele lutava contra os abusos do clero, originando assim a igreja protestante. Houve perseguições em nome da nova religião a judeus e – que ironia – católicos!

Mas não só a eles. Cientistas, pessoas que adorassem qualquer Deus (ou Deuses, o que é pior ainda para uma religião monoteísta), que usassem plantas para a cura, lessem o futuro nas estrelas ou tivessem algum conhecimento fora da normas ditas “santas” eram consideradas bruxas, pactuadas com a magia negra ou adoradoras do Demônio. E os Druidas (os sacerdotes e sacerdotisas Celtas) enquadravam-se em todos os quesitos!

Nem os gatos escaparam dessa. Por terem hábitos noturnos, acreditava-se que os gatos tinham algum tipo de pacto com o demônio. Se o gato fosse preto então, além de vir das trevas, era considerado uma bruxa disfarçada. Fogueira nele!
Na Inglaterra, houve a caça às bruxas, que matou centenas de mulheres. Eu mesmo gravei na Irlanda, em frente a um castelo do Séc. XIII, para a novela da TV Manchete (1998), a cena da queima da personagem Brida (do livro homônimo de Paulo Coelho) numa fogueira, acusada de bruxaria.

Esses exemplos foram levados para as colônias na América do Norte, onde ocorreu o famoso episódio das Bruxas de Salém (que virou filme com Daniel Day Lewis, em 1996), em que adolescentes foram mortas por suspeita de invocarem espíritos apenas por se reunirem em volta de uma fogueira.
Isso me remete, fã de Rush que sou (leia em Muito além das baquetas), a uma obra prima do letrista e baterista Neil Peart, Witch Hunt, que narra este período e termina com: “Quick to judge, quick to anger. Slow to understand. Ignorance and prejudice and fear walk hand in hand. (Rápido para julgar, rápido para odiar. Lento para entender. Ignorância, preconceito e medo caminham lado a lado)”. Soa atual?
E a Festa cruza o Atlântico.
Entre 1845 e 1849, a Irlanda sofreu horrores com a praga da batata (sua principal fonte de alimentação na época). A fome provocou a morte a cerca de um milhão de pessoas e forçou mais de um milhão a abandonar o país em direção ao Canadá e aos Estados Unidos. Apenas um terço permaneceu na ilha.

Com os imigrantes em sua nova terra, nasceram o Bourbon (whiskey americano) e a música Country (assuntos para os próximos posts).
E, claro, foi na bagagem, entre outras tradições, a celebração do Halloween, rapidamente absorvida e incorporada à cultura americana. Tanto que, hoje, o que se vê desta celebração na Europa tem traços da festa americana mais que da original.

Assim, muito do contexto torto que vemos hoje ligado ao Halloween nasceu neste período, associando a festividade a algo macabro, assustador.
Reforçada ainda mais a partir de 1938, com a famosa transmissão pelo rádio de “Guerra do Mundos”, do escritor inglês H.G. Wells, que gerou uma grande confusão quando foi ao ar pela CBS, em 30 de outubro daquele ano (pra quem não conhece a história, o ator e diretor americano Orson Wells – o mesmo do filme marco do cinema “Cidadão Kane” – leu o livro como se fosse uma notícia real, e muitos desavisados entraram em pânico acreditando que a Terra estava mesmo sendo invadida por extraterrestres violentos).

Ao concluí-la, Orson deixou de lado seu personagem para dizer aos ouvintes que tudo não passava de uma pegadinha de Halloween e comparou seu papel ao ato de se vestir com um lençol para imitar um fantasma e dar um susto nas pessoas.
Muito presente em filmes e séries, a data espalhou-se Mundo afora, com comemorações em países de língua inglesa (o que seria esperado) ou não. Américas, Europa, Ásia e Oceania fantasiam-se de preto e laranja ao final de cada Outubro.

No Brasil.
Os festejos do Halloween no Brasil (trazidos em boa parte pelos cursos de língua inglesa e pelo comércio com sua publicidade temática) carregam mais a versão americana (e suas releituras) do que a ideia original celta.

Tanto que o nome aqui foi traduzido erroneamente para “Dia das Bruxas” (motivo já explicado dois blocos acima). O que fez emergir uma legião de pregadores do Apocalipse amaldiçoando a festa e quem adere a ela.

O mais curioso para mim é que muitos desses pregadores condenam as lanternas de abóbora como coisa do Demo, mas não falam nada das Carrancas do Rio São Francisco. E ambas têm a mesma função: espantar os maus espíritos.

Ou aqueles que praguejam a festa como uma “americanização” de nossa cultura. Mas são os mesmos que festejam o Natal com um pinheiro coberto de neve (bem brasileiro!), Papai Noel todo encasacado (super apropriado pro verão de Dezembro) e comem frutas secas e Peru na ceia (típicos de nossa culinária, né?).
Ou comemoram a Páscoa com coelhos entregando ovos de chocolate. Coerente… bem coerente!
Então, num Mundo com Cultura cada vez mais globalizada, se você gosta, curta seu Halloween feliz, na paz e – como pensado pelos Celtas – com alegria, boas energias, agradecendo e desejando o bem. Xô, baixo astral!

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Parabéns Edu! Suas informações levam a gente a uma viagem fantástica! Bravo!!!
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