A Black Friday é uma das datas mais esperadas do ano, tanto por clientes ávidos em satisfazer os seus desejos de consumo mais diversos a preços convidativos quanto para comerciantes loucos para aproveitarem impulso natural da data, renovarem seus estoques e fazerem um pé de meia para enfrentarem os primeiros meses do ano, geralmente muito ruins de faturamento.
Mas… vamos passear um pouco por trás de toda essa cortina mercantilista para entender melhor a efeméride que virou febre mundo afora.
Polêmicas, Pechinchas e Passadas de Perna
A data (e o termo) já nasceram envoltos em divagações e mascaramentos de realidade. E sempre cercados de polêmica.
Ainda que encontremos várias versões para sua origem, é interessante passarmos por cada uma delas (pelo menos as principais) para desmitificamos conceitos ligados ao termo (em boa parte, imputados de forma errada).
Versão 01: O primeiro registro do uso do termo nos EUA foi em 24 de setembro de 1869, quando dois especuladores, Jay Gould e James Fisk, usaram informações privilegiadas para tomar o mercado de ouro na Bolsa de Nova York. Para reverter a situação, o governo aumentou a oferta de ouro no mercado, fazendo os preços caírem vertiginosamente. Muitos investidores perderam muito dinheiro e o dia do colapso ficou conhecido como Black Friday.
Versão 02: outra origem para o nome do movimento comercial data de 1951 e é uma ironia de patrões para as várias ausências de empregados na sexta-feira seguinte ao feriado.
A neurocientista Bonnie Taylor-Blake, da Universidade da Carolina do Norte, encontrou o registro na Factory Management and Maintenance, uma newsletter do mercado de trabalho.
“A síndrome da sexta-feira após o Dia de Ação de Graças é uma doença cujos efeitos adversos só são superados pelos da peste bubônica. Pelo menos é assim que se sentem aqueles que têm de trabalhar quando chega a Black Friday. A loja ou estabelecimento pode ficar meio vazio e todo ausente estava doente”, zombava o texto.
Versão 03: Dez anos depois, na Filadélfia, o termo se popularizou entre policiais, que reclamavam do trânsito e do alto fluxo de motoristas e pedestres nas ruas para fazer compras, o que tradicionalmente ocorria na sexta e no sábado seguintes ao feriado de Ação de Graças.
Segundo um jornal local da época, por não gostarem da associação com tráfego e poluição, os lojistas tentaram mudar o termo para “Big Friday“.

Versão 04: Finalmente, a que conhecemos hoje. Em seguida à tentativa frustrada de emplacar o termo “Big Friday”, lojistas americanos conseguiram dar conotação positiva ao “Black Friday” (que já estava na memória coletiva) ao dizer que ele se referia ao momento em que as contas do comércio saíam do vermelho (negativo) e voltavam ao preto (positivo). O que é um storytelling, mas não deixa de ser verdade. Após as férias de verão americanas (em julho), não há datas comemorativas que movimentem o comércio. Este hiato entre o meio e o fim do ano (quando o mercado volta a aquecer com as compras para o Natal) é um verdadeiro suplício para os donos de estabelecimentos. Sem contar que, após o Natal, novo hiato se forma durante o inverno até 14 de fevereiro, quando o Dia dos Namorados (Valentine’s Day) volta a levar clientes às lojas.

Então, a data já conhecida como “Black Friday” por todos, mostrou-se a melhor oportunidade que o Comércio poderia pedir aos céus, porque:
- numa época em que praticamente não havia meios de comunicação (nada nem de longe que lembre a facilidade dos celulares e grupos de WhatsApp de hoje), as famílias aproveitavam os encontros de gerações dos Dias de Ação de Graças para descobrirem o que cada um de seus parentes gostariam de ganhar do Papai Noel. Como comprar é um ato quente, feito na emoção, o dia seguinte a este encontro seria o momento ideal para lançar promoções, já que seu cliente sabe o que precisa comprar e está empolgado, num bom estado de espírito com o encontro familiar. Some-se a isso a facilidade logística: é uma sexta, que antecede o fim de semana. Os familiares poderiam fazer as compras e já deixar os presentes ao pé da árvore de Natal de seus anfitriões antes de voltarem às suas cidades de origem (evitando o incômodo de terem de viajar carregando presentes).
- Os lojistas teriam a possibilidade de zerar seus estoques antigos, abrindo espaço para as novas coleções da estação seguinte.
- Os lojistas também teriam como prover reservas para o novo período de baixas vendas que se aproximava. Só quem tem loja pra saber o quão tenso e doloroso é passar por esses “bolsões” sem receitas, mas com despesas fixas consumindo o fluxo de caixa.
Um dos maiores sites de checagem dos EUA, o Snopes, também aponta essas origens.

Ainda assim, foi somente em 1990 que o termo ganhou repercussão nacional e a data foi adotada pelo comércio como se conhece hoje. É o que relatou o linguista Benjamin Zimmer, editor-executivo do site Vocabulary.com, à BBC.

Polêmica 2
Até aqui, em momento algum chegou-se perto do que tem sido aventado por fake news de qualquer relação com venda de escravos. As versões referentes a vendas nascem a partir de 1961, praticamente 100 anos após a abolição da escravatura nos EUA. E as anteriores só tinham o mesmo nome, mas nem ligadas a vendas eram.
Aqui, vale abrirmos um pequeno parêntese: é importante nos lembrarmos sempre de que nem tudo é ligado a raça. Precisamos parar de “racificar” conceitos que estão ligados a cor, não a etnia.
Sei que o asunto é delicado e merece um post dedicado só a ele. Não quero gerar mais polêmica. Apenas clarear. Mais um exemplo de distorção de conceitos, causado por puro desconhecimento da História: o termo escravo vai muito além dos africanos. Ele nasceu do termo “eslavo” (em inglês, slave), remetendo a povos eslavos (brancos, loiros, de olhos azuis) que eram mantidos em cárcere, e ganhavam comida em troca de trabalho. Alguns deles, Vikings feitos prisioneiros. Aí, pergunto: você já viu Viking preto?
E, mais anida: se Black fosse negativo, o que dizer à MasterCard, Visa e outras operadoras globais sobre seus cartões Black, mais desejados e poderosos que os de linha Platinum e Infinity?
Muitas campanhas têm usado o termo Best Friday, para evitar o termo Black. E é interessante fugir do lugar comum! Mas, desde que seja pela inovação, e não baseado em um fato mentiroso e (pior ainda) não checado.
E no Brasil, como é?
A primeira Black Friday no Brasil data de 28 de novembro de 2010, e aconteceu totalmente online, até por medida de segurança. Além de menos custosa na preparação e divulgação (não se precisa imprimir nada fisicamente), era mais fácil de dimensionar estrutura de atendimento, já que não se tinha referência sobre que grau de adesão expectar. Mais de 50 lojas do varejo participaram do pool, focado basicamente em eletrônicos. Foi um sucesso.
No ano seguinte, novo recorde, faturando R$ 100 milhões em e-commerce (80% a mais que no ano anterior). Predominantemente celulares e televisores eram os alvos preferidos.
Em 2013, novo recorde, com R$ 700 milhões no comercio online e mais de 300 lojas no pool. Agora, móveis e decorações também participam do cardápio. E entra em cena a Cyber Monday.

A Cyber Monday (algo como “Segunda-feira Digital”) nasceu em 2005 nos Estados Unidos, a fim de incentivar a compra online dos produtos que não tivessem sido vendidos na Black Friday três dias antes, em lojas físicas. Como brasilero é bom para resignificar coisas, e as vendas aqui já eram 100% online (não fazendo sentido o conceito original), a Cyber Monday virou uma espécie de “xêpa” para quem tinha perdido a Black Friday, ou uma segunda chance pra se comprar novamente com descontos.
Mas, não há bem que venha desacompanhado. Os altíssimos volumes da novidade (em certos casos, o correspondente a 3,5% do faturamento anual em apenas um dia) chamaram a atenção também dos “espertos” de plantão.

Diversas empresas (muitas, gigantes conhecidas) foram notificadas pelo Procon por maquiagem nos descontos. Basicamente, a pratica implicava em ir-se aumentando gradativamente os valores dos produtos mês a mês para que, na Black Friday, fossem vendidos pelo valor original sem desconto. Termos como “Tudo pelo dobro da metade do preço” e “Black Fraude” ajudaram a alertar, com humor, sobre os riscos que um desavisado corre ao comprar sem checar.
Sites de busca de preços, como Buscapé, e de apoio ao consumidor (Procon e Reclame Aqui) mostraram-se ótimas ferramentas para comparação de preços ao longo do ano e detecção de conduta inapropriada.

Com a entrada da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico no jogo, códigos rígidos de ética foram criados específicamente para a data e, somados às ferramentas acima, ajudaram a reduzir a maquiagem de preços e descontos, preservando a imagem da ação.
Passada esta etapa de ajustes de conduta, a Black Friday firmou-se como um fenômeno ano a ano, chegando à casa do R$ 2,1 bilhões só no e-commerce, fora o comércio físico, que aderiu massiçamente à Campanha. E sem sinais de cansaço na subida dos gráficos de receita.

Conta aqui nos comentários, como está sendo sua Black Friday hoje?
O que está achando dos preços, o que pretende comprar…
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